A NAVAMAER E O ESPORTE NO MEIO MILITAR PROMOVENDO A FORMAÇÃO, CONSCIENTIZAÇÃO, INTEGRAÇÃO E A CULTURA DE PAZ


Abertura da Navamaer década de 1940 no F.F.C


Prof. Dr. Fernando Antonio Cardoso Garrido                                                 
SO (FN-MU) Marcelo Pereira Marujo

RESUMO: A presente investigação busca a clarificação sobre a competição esportiva das Escolas Militares de Ensino Superior – NAVAMAER – que visa empreender uma formação integral para os futuros oficiais da Forças Armadas por intermédio das atividades esportivas. O objetivo deste artigo compreende evidenciar o quanto as competições proporcionam uma capacitação profissional generalista e voltada à promoção de uma cultura de paz. O desenho metodológico inter-relacionou os métodos histórico e a pesquisa participativa, pois se entende que a historicização integrada à vivência nas atividades por vários momentos propiciam uma maior condição de materialização dos conceitos emergidos durante sua trajetória. Os resultados sinalizam que as atividades físicas variadas, assim como as modalidades esportivas que compõem esta competição contribuem para a formação sustentável profissional dos competidores e, ainda, para a melhoria da performance biopsicossocial. Conclui-se que a NAVAMAER converte-se numa competição factível de prover uma formação generalizada do ser humano necessária à evolução de uma cultura promotora da paz.         
PALAVRAS-CHAVE: NAVAMAER. FORMAÇÃO. ESPORTES. ATIVIDADES FÍSICAS. CULTURA DE PAZ.

INTRODUÇÃO
O esporte, um dos maiores fenômenos sócio-cultural, do final do século XX e início do século XXI, se íntegra nas suas dimensões socioambientais às diversas instituições de natureza pública e privada, entre elas às organizações militares. Transcendendo-as como integrante de uma educação permanente, também busca levar o ser humano a melhor compreensão das necessidades do mundo contemporâneo, à evolução da performance biopsicossocial e da cultura de paz (TUBINO, 2006)

OBJETIVO
          O objetivo deste artigo compreende evidenciar o quanto as competições proporcionam uma capacitação profissional generalista capaz de promover uma cultura de paz.


METODOLOGIA
A fim de empreender as necessidades específicas do objeto de estudo, o desenho metodológico inter-relaciona, estrategicamente, o método histórico e a pesquisa participativa (VERGARA, 2009) clarificando variados e efetivos momentos e, ainda, propiciando a aplicação de teorias, conceitos e a ampliação das investigações.

O ADVENTO DA NAVAMAER
A Taça Lage, mais tarde conhecida por NAVAMAER, teve a sua primeira edição em 1938, entre a Escola Naval (EN) e a Escola Militar de Realengo (atual Academia Militar das Agulhas Negras - AMAN), numa época de forte presença do Estado, na economia, na política, na vida social e de valorização da Pátria.
As disputas que ocorriam no atletismo, basquetebol, polo aquático, futebol e na natação teve de 1941 em diante, a presença da Escola de Aeronáutica (REVISTA GALERA, 1941). Com o passar dos anos, a Taça Lage passou a ser conhecida como: Torneio das Três Escolas, Jogos Inter-Escolas Militares e, principalmente Competição Desportiva entre as Escolas Militares, a partir de 1953. A Instituição Militar vencedora recebe o troféu “Estado-Maior das Forças Armadas”.

 A platéia na assistência ao evento

É sob o foco do aperfeiçoamento técnico, físico e moral da juventude militar e da aproximação entre Aspirantes e Cadetes que Henrique Lage, idealiza a Taça que leva o seu nome, um dos grandes empresários pioneiros da construção naval. Em carta endereçada ao Exmo Senhor General-Comandante da Escola Militar, em 22 de junho de 1938, Lage transcreve o motivo pelo qual acreditava ser importante a criação de um evento esportivo entre as Escolas Militares:
Levado pela especial simpatia que sempre me mereceu o garboso Corpo de Cadetes e com a intenção de estimular o espírito de tenacidade dos jovens e o amor à luta para a vitória, tomei a liberdade de oferecer uma “Taça” para constituir prêmio aos vencedores dos jogos anuais de foot-ball, realizados por Cadetes ou entre Cadetes e alunos da Escola Naval nas condições estabelecidas por V. Ex. Esperando que V. Ex. se digne de aprovar esse meu ato, rogo a V. Ex. a gentileza de dar ciência ao D. Corpo de Cadetes a que tenho a honra de me considerar integrado. Reitero a V. Ex. a segurança da minha alta consideração e particular estima de subscrever-me, de V. Ex. Amigo grato – (a) Henrique Lage. (GALERA, 1941, p.11-25)

Percebe-se que Henrique Lage entendia ser o esporte uma ferramenta de valor na formação da juventude ao favorecer a coesão, convivência social, correção de valores e a valorização da Pátria (visão nacionalista) aos futuros oficiais das FA.

A marcante presença feminina nas competições

A Taça Lage transcorria no cotidiano da cidade do Rio de Janeiro com grande rivalidade entre Escolas, nos grandes clubes civis, dentre eles: o Tijuca Tênis Clube, o Clube de Regatas Vasco da Gama e o Fluminense Futebol Clube, na presença de grande público, elegante torcida e marcante presença feminina (na torcida) elogiada pelos militares.
A competição entre Escolas Militares, também podia ainda ser vista sob a perspectiva da grande presença e vibração da torcida. Naquela altura, o esporte como lazer já oportunizava à liberação de tensão-excitação e prazer, auxiliando na regulação da conduta (o autocontrole). Isto significa que o esporte vinha no auxílio da adaptação de todos os envolvidos em uma sociedade moderna capitalista, urbana, organizada socialmente, altamente regulada e fortemente controlada pelo Estado, conforme aconteceu na época. 
A necessidade de melhor preparar o militar à guerra, em especial da Guerra Fria em diante, tornava a condição física integral preponderante em uma época de exigência do treinamento físico, de habilidades técnicas, da alimentação, do repouso regular e do exame médico, fatores condicionantes controlados no treinamento físico-desportivo. Isto gerava a busca de índices mais expressivos e de recordes pela Marinha do Brasil (MB).
O fato é que o desenvolvimento do esporte no meio militar contribuía para a presença marcante de atletas oriundos das Forças Armadas integrando equipes civis, além de promover uma maior visibilidade às Escolas Militares na sociedade, o que, conseqüentemente, pode ter gerado um maior ingresso de jovens na carreira militar.
Os melhores atletas das Escolas Militares ganhavam destaque ao representar o Brasil internacionalmente em Jogos Olímpicos, Campeonatos e Jogos Sul-Americanos e Pan-Americanos, Campeonatos Mundiais e, principalmente nos Festivais Sul-Americanos de Cadetes, iniciados em 1961.

A grande presença de público nas competições
AS DIMENSÕES DO ESPORTE E DA NAVAMAER
A oferta ao militar de treinamento desportivo de bases científicas acompanhada por equipes integradas por outros profissionais garantia a convocação para representações brasileiras civis em eventos internacionais desde as décadas de 20 e 30. Nessa perspectiva, são inúmeros e legítimos militares-atletas da Marinha, em todas as épocas que se tornaram exemplos, disputando competições por clubes civis, em agremiações militares no meio civil, integrando delegações brasileiras em eventos internacionais, influenciando gerações e gerações de militares e civis, transformando simples espectadores em praticantes.
Sob outro prisma, o cenário esportivo internacional crescia influenciado, pelas políticas estratégicas norte-americanas do Pós I Guerra Mundial e, principalmente, da II Guerra Mundial até fins do século XX em um mundo bipolar. O modelo capitalista, contrapondo-se ao comunista, progressivamente, passava a ser determinante na economia industrial, na produção, na cultura de massa e como credor do mundo. Isto trouxe conseqüências à educação física e ao esporte ao promover mudanças no treinamento físico do militar pelo emprego da ginástica calistênica nas FA brasileiras e na sociedade civil. Os conflitos bélicos demonstraram que existia a necessidade de se atender às árduas atribuições relacionadas aos novos equipamentos e métodos de guerra, pois somente os indivíduos fortes, física e moralmente teriam condições de suportar as adversidades das operações de guerra.
O desgaste físico e mental dos militares nas frentes de batalhas, diante das informações e observações oriundas da II Guerra Mundial fez surgir novos esportes de característica militar. Esses passaram a servir de treinamento funcional na preparação das tropas, precipuamente, em razão das peculiaridades das tarefas militares relacionadas às atividades do esporte no meio civil, dentre eles os pentatlos: militar (1946), aeronáutico (1948) e naval (1949); assim, consolidando a presença do militar na Educação Física, logo a diferenciando daquela realizada no meio civil. 
A melhoria das condições físicas tornavam-se indispensáveis e obrigatórias à preparação profissional quer utilizado na formação, no desempenho e quer no lazer, como atividade inerente da carreira militar. Nessas condições surgia o primeiro manual de treinamento físico de orientação norte americana traduzido e implantado pelo 1º Tenente Médico Heriberto Paiva, em 1946, e também a primeira Olimpíada Militar, em 1945, na MB. 


Foto: Abertura Navamaer/Escola Naval/2011


A conseqüência natural foi a ampliação da organização do esporte no meio militar com as criações da entidade esportiva em nível mundial, o Conseil International du Sport Militaire (CISM), e, em nível nacional, do então, Conselho Desportivo das Forças Armadas (CDFA), em 1951. Este fato produziu o aumento da cadeia de interdependência, o que trouxe maior seriedade ao esporte no meio militar desde o início da Guerra Fria. Em 1956, o CDFA passou a ser denominada de Comissão Desportiva das Forças Armadas (CDFA). De 1976 em diante, a CDFA passou a ser conhecida por Comissão Desportiva Militar do Brasil (CDMB). A CDMB, instituição coordenadora da NAVAMAER, tem Comissões Desportivas subordinadas em cada uma das FA: CDA, CDE e CDM.
Por conseguinte, o esporte no meio militar adquire maior relevância e visibilidade no meio civil, o que proporcionou o aumento das competições de caráter nacional e internacional e, ainda, a formação de representações militares nacionais disputando eventos mundiais programados pelo CISM.  A melhoria constante da performance física proporcionou resultados satisfatórios e novos recordes que se tornaram recorrentes, o que garantiu ao esporte do meio militar maior visibilidade na sociedade civil.
Num verdadeiro culto olímpico, atletas expõem suas forças, habilidades e técnicas, defendendo com garra e dedicação o estandarte de sua Escola, tendo como fundo um clima de profundo respeito e cordialidade. Constata-se que, o preparo físico e a competitividade devem estar a serviço da defesa das cores da nossa Escola (GALERA, 1988, p. 62)

O desenvolvimento do esporte no meio militar, em especial entre as Escolas de Nível Superior Militares suscita o surgimento de nova sigla que vem caracterizar efetivamente o evento e, sobretudo, proporcionar uma maior prospecção à mesma. Desse modo, o então Presidente da Comissão de Desportos das Forças Armadas, o General de Brigada Floriano Machado, através de comunicado de 26 de dezembro de 1962, oficializava aos Comandantes das Escolas que a partir daquela data estava adotada a sigla NAVAMAER, formada com as abreviações de: NAV: Escola Naval (EN); AM: Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN) e AER: Escola de Aeronáutica (atual Academia da Força Aérea - AFA). Na primeira competição da NAVAMAER em 1962, aconteceram disputas nas seguintes modalidades: pentatlo militar, tiro, xadrez, futebol, natação, esgrima, voleibol, basquetebol, atletismo e polo aquático.
Navamaer pista atletismo AFA

A visão da Educação Física, nesse momento, era retratada pelo Breviário de educação, moral, cívica, social e militar de 1959 e pode ser compreendida pelo seguinte pensamento.
 Na época hodierna não se pode pensar em valorização e em seleção sem se considerarem as qualidades físicas e espirituais. É a cultura física que desenvolve essas qualidades, cria, em verdade, o ambiente espiritual e moral para a educação integral da juventude, para o completo desenvolvimento do homem, do cidadão, da personalidade humana. Não prepara o homem, apenas para atividades técnico-profissionais, mas, para á vida na sua mais completa e infinita complexidade. Cultivemos, pois, a educação física, tão salutar principalmente na conservação e preparo de uma prole sadia e no aperfeiçoamento da raça. (VILLAR, 1959, P. 135)
A NAVAMAER, no cenário esportivo nacional, interrompida entre 1968 e 1973, somente reapareceu em 1974, com disputas de esportes de característica individual, como atletismo, natação, pentatlo militar e tiro, sem contar também com a presença de platéia. Os esportes coletivos com bola somente voltaram a ser disputados em 1977, realizados dentro das Escolas Militares. Além disso, a NAVAMAER, desde a sua criação até 2011, sofreu interrupção nos anos de 1963, 1981 e de 1984.
 O que se constata durante décadas, em especial de 1930 até 80, é que a NAVAMAER e o esporte nas FA se caracterizam pela constante busca da melhoria da performance e da preparação à guerra. Isto possibilitou o aparecimento de grandes atletas nas Forças armadas (FA), o ingresso de atletas do meio civil nas escolas de formação de oficiais, a presença de militares-atletas em competições de clubes e delegações esportivas civis em eventos regionais, nacionais e internacionais e o aumento da freqüência na quebra de recordes nos esportes individuais.
No período entre 1985 e 1987, a NAVAMAER, até então realizada no eixo Rio/São Paulo, adquire visibilidade nacional, com sua nova sede em Brasília, DF. As competições acontecem no Colégio Militar, Ginásio Cláudio Coutinho e Estádio Mané Garrincha. Nesse momento, o espírito esportivo da NAVAMAER vinha se prospectando de forma a evidenciar a importância e o desenvolvimento do esporte (GALERA, 1988).
Voz da Cidade/Navamaer/Aman/2018

A redemocratização do país levou o esporte no texto constitucional sob o renovado conceito de direito de todos, respaldo em estudiosos e documentos internacionais e a imediata diminuição das competições esportivas das FA e entre Escolas Militares no meio civil (GARRIDO, 2004).

A NAVAMAER E AS CIÊNCIAS
A adoção de treinamento desportivo de bases científicas para os militares, que aconteceram desde a década de 30 com atletas da natação, consolidava o pioneirismo da MB na área. Na década seguinte, a difusão de testes físicos de caráter científico aplicados de forma periódica permitiu a catalogação, acompanhamento e confrontação dos efeitos do treinamento dos atletas da MB e de Aspirantes da Escola Naval.
A chegada de novos métodos de treinamentos desportivos no Brasil, fundamentados sobre bases científicas no final dos anos de 1960 em diante - Teste de Cooper, circuit-training e interval-training - contemplou uma realidade mundial por implantar-se no meio militar e ser aplicada na MB. Garantia-se um melhor condicionamento físico aos militares e atletas de equipes militares nos eventos esportivos civis, como campeonatos locais, jogos universitários e na NAVAMAER.


Aspirante Laís Menezes/ 5 medalhas/ atletismo/EN/2017

A criação de centros de treinamento físico-esportivo militares, como o CEFAN, em 1972 determinava o desenvolvimento do esporte na sociedade brasileira e na MB. Uma série de iniciativas da MB e do Ministério da Educação e Cultura (MEC) contribuía para o desenvolvimento do esporte, dentre eles: a vinda de estudiosos e palestrantes estrangeiros e nacionais para realizar cursos e congressos de promoção e da difusão dos saberes da área. Concorria ainda, na valorização do esporte a utilização do CEFAN, referência no cenário esportivo nacional, para hospedagens e treinamentos de delegações nacionais e internacionais e a implantação de convênios de iniciação esportiva ofertado aos alunos das escolas públicas. Daí advinha, o aumento das publicações nacionais, a tradução de livros estrangeiros e a criação de cursos de nível superior na área.  

A NAVAMAER E OS ESPORTES MILITARES
As dificuldades econômicas enfrentadas pelo país na época, por sua vez levaram à execução de um rodízio de esportes disputados nas instalações das três Escolas Militares, de forma que as competições esportivas pudessem ser realizadas anualmente.
A diminuição das competições esportivas militares no meio civil dos anos de 1990 em diante, favoreceu o desenvolvimento dos esportes de características militares e funcionais nas FA, entre eles: pentatlos, tiro, orientação e esgrima. Isto trouxe como conseqüência a diminuição da visibilidade das Escolas Superiores Militares na sociedade brasileira e pode ter contribuído para a perda do interesse de jovens pela carreira militar, diferentemente, das épocas passadas de ingresso nas FA incentivadas pelo esporte.
A exigência do trabalho profissional-militar foi progressivamente tornando-se um contraponto às atividades físicas em geral entendidas como lazer, somado ao quadro de restrições orçamentárias, nas duas últimas décadas do século XX. Este cenário provocou a diminuição da participação, convocação e do treinamento de atletas da MB integrando delegações esportivas, principalmente visando atender competições nacionais e internacionais. Essa afirmação reforça a assertiva do trabalho ser considerado mais importante quando relacionado às atividades físicas no momento de TFM/Esporte e, ditas, principalmente, por aqueles que não gostam de praticá-las (GARRIDO, 2004).

49ª Navamaer/Aman/2015/presença feminina no tiro
Uma das explicações sobre a compreensão do esporte praticado nos momentos de lazer e de sua relação com o trabalho e tantas outras atividades compreendidas como tal vem de Elias (1992, p. 141) quando afirma que o esporte é “um fenômeno social por direito próprio, interdependente de atividades de não lazer, (como no caso do trabalho), mas, do ponto de vista funcional, de valor não inferior e não subordinadas a elas”. Na mesma dimensão, De Masi (2000) esclarece:
a plenitude da atividade humana somente é alcançada quando nela coincidem, se acumulam, se exaltam e se mesclam o trabalho, o estudo e o jogo; isto é quando trabalhamos, aprendemos e nos divertimos, tudo ao mesmo tempo. É o que ele chama de ócio criativo. (p. 148) 
A essa altura discorrer sobre a relação entre o esporte e a guerra, torna-se essencial para mostrar a importância do TFM e em especial da NAVAMAER no meio militar. Assim, recorremos a Norbert Elias (1992:16) que afirma ser o esporte e a guerra formas de conflito que se encontram entrelaçadas de maneira subtil, com formas de interdependência, de cooperação e com a formação do nosso grupo e do grupo deles. Tanto o esporte quanto a guerra apresentam características teóricas comuns ao serem compreendidos como um confronto entre dois oponentes ou dois grupos com o objetivo de um sobrepujar o outro. Um ou outro desencadeiam quer emoções de prazer, de sofrimento e misturam comportamentos racionais e irracionais. Ainda, reafirma a existência de ideologias diametralmente opostas, podendo o esporte se constituir em um substituto da guerra e por isso um veículo ideal de treino militar, devido à dureza e à agressividade demonstradas pelos que dele participam, daí o caráter homólogo e da inter-relação das duas esferas. Porém, o objetivo da guerra é vencer o oponente, que é considerado inimigo, dominá-lo, prendê-lo e até mesmo feri-lo ou matá-lo, caso seja necessário. Entretanto no esporte, o oponente é considerado o adversário a ser combatido e vencido, devendo ser dominado sem que o mesmo, tenha que ser ferido ou morto no confronto.
Em síntese, a relação entre o esporte e a guerra nos reforça a importância do militar manter a higidez física frente às exigências da carreira militar e do bom desempenho das suas atribuições constitucionais. Nesse sentido, ganha relevância o emprego do Treinamento Físico Militar (TFM), a exigência de aferição de Teste de Avaliação Física (TAF), a realização de campeonatos regionais, a participação em competições militares, como a NAVAMAER e o atendimento às convocações para representações brasileiras em geral. Por isso devem ser consideradas tarefas de adestramento profissional da rotina do militar quer em tempo de paz ou de guerra asseguradas pelo emprego do esporte e suas manifestações durante a carreira naval.
Navamaer 2016/EN x AFA

Por essa época, o teste de avaliação física passa a ser pré-requisito à ascensão na carreira militar e deveria ser acompanhado de pesquisa científica. Objetivava-se traçar o perfil físico dos militares. E neste sentido, a NAVAMAER, assim como o TFM servem de objetos de estudos e de pesquisas científicas apoiados sobre parâmetros físicos, orgânicos, bioquímicos, mentais e sociais que relacionados demonstrem a melhoria dos níveis de aptidão física para a saúde, a qualidade de vida, o desempenho profissional e o bem-estar geral, de acordo com atributos de cada corpo e quadros militares
Entre o final do século XX e início o século XXI aparecem grandes transformações mundiais promovidas pelos avanços da ciência, da tecnologia, da economia globalizada e das mídias gerando em alta velocidade mudanças em variados setores. Este quadro concorre para o desmonte do Estado do Bem-Estar Social e da liberalização total dos mercados determinado por um capitalismo avançado, a valorização das empresas multinacionais e a elevação do consumo. Essas mudanças que ocorrem, principalmente, nas áreas de comércio, transporte, meio ambiente e de comunicação levam à saturação das informações, de diversões e de serviços programados no dia a dia das pessoas, tornando-as mais sedentárias, obesas e favorecendo a degradação sócio-ambiental e o aumento do custo social de empresas privadas, organizações públicas e governos.

A NAVAMAER E AS TENDÊNCIAS
O surgimento de novas tendências, necessidades, consumos, estilos de vida, gostos e prazeres orientam os rumos da nova economia focada na grande quantidade de produtos, serviços com preços reduzidos numa sociedade caracterizada pelas tecnologias da informação.
49ª Navamaer 2015/Aman/judô
A vida social agora em sintonia com as viagens, imagens, mídias, comportamentos e atitudes diversas subordina-se ao consumo, o que provoca uma crise nas relações humanas, sociais, ideológicas, políticas e de valores e afeta a convivência social, fortalecendo o individualismo (subjetividade).
A Educação Física e o Esporte, em nível internacional, como componentes da educação permanente, holística e de convivência humana traduzidos por conhecimentos, habilidades, tradições, atitudes, valores e comportamentos, passam a serem reorientados para os males detectados na sociedade moderna. O apelo de estudiosos, de pesquisas científicas e de organizações internacionais como a Organização das Nações Unidas (ONU) e a divulgação das mídias em geral alertam sobre novos eventos em escala mundial, dentre eles: conflitos sociais, terrorismo, degradação ambiental e doenças hipocinéticas, causadas pelo avanço da tecnologia, como a obesidade, diabetes entre outras.
A discussão de questões centrais torna-se alvo de foros mundiais, entre elas a preservação ambiental. Isto gerou maior visibilidade aos esportes da natureza e aqueles derivados de outros esportes, ambos de caráter individual, uma tendência na sociedade pós-industrial e nas FA. Os serviços e funções intelectuais ganham relevância, o que requer a elevação do nível de educação.  As pessoas passam a ser a chave da criação de valor e da resolução de problemas complexos em um mundo com exigência de colaboração, confiança e liderança.
Nessa perspectiva, a NAVAMAER, assim como o TFM, estabelece maior entendimento sobre a importância da importância da conservação, de preservação e de proteção do meio ambiente ao listar no rol dos esportes disputados pelos militares como desempenho/alto rendimento e, mesmo na formação e no lazer, aqueles ligados à natureza. Nesta direção, aparecem no cenário militar as modalidades de triathlon, ultramaratona, canoagem, e orientação a partir de 2000.
Ademais, o emprego do esporte no meio militar demonstra vigor como ferramenta de responsabilidade socioambiental nas FA com a prática do esporte da natureza. Isto desenvolve posicionamentos e respeito pelo meio ambiente e, conseqüentemente sobre a importância dos nossos recursos naturais, objeto de reflexão em nível nacional (flora, fauna e riquezas naturais) das FA e, portanto, de toda a sociedade brasileira, em especial das fronteiras secas, da Amazônia Azul e da Amazônia Verde.

Campo da AFA/53ªNavamaer/2019
Na busca de uma maior relação com o meio ambiente pela MB e, em especial da Escola Naval na construção de uma consciência ecológica dos futuros oficiais surgem eventos esportivos ligados à natureza e abertos à sociedade civil, como o RAID NAVAL em 1992 e a Regata Ecológica em 1999.
Uma maior abrangência sócio-profissional pelo esporte, também acontece nas FA determinada com o ingresso do sexo feminino nas FA. A maior participação da mulher no mercado de trabalho, um dos fatos mais significativos ocorridos no mundo, também se deu no meio militar, no esporte e, na NAVAMAER, de 1997 em diante (31ª edição). Atualmente, elas já disputam as modalidades de esgrima, atletismo, pentatlo militar, orientação e tiro.
Outro fator de destaque é a atuação sócio-profissional das FA de norte a sul, principalmente por ser um dos principais agentes de fomento do esporte, ao assegurar a realização de eventos - a NAVAMAER, o TFM em suas manifestações, a incorporação de atletas de alto rendimento e de promoção da cidadania.
Este último – promoção da cidadania – se concretiza a partir da inserção de jovens no serviço militar (obrigatório/voluntário) e da implantação de convênios e/ou de parcerias entre as FA e instituições públicas e empresas privadas em projetos sociais. A inclusão social pelo esporte em suas manifestações vai ao encontro do entendimento de “direito de cada um”, conforme estabelecido na Constituição Federal (BRASIL, 1998) no Art. 217. Em síntese, se fortalece a responsabilidade socioambiental das FA, inclusive com a descoberta de talentos no esporte, em prol da realização do destino coletivo
Os fatos elencados demonstram que a cultura física representada pelo TFM, pelo esporte e por competições como a NAVAMAER, desde a formação do militar, em especial dos futuros oficiais das FA, possibilita-os a compreensão sobre os benefícios ao corpo humano (parâmetros anatômicos, fisiológicos, bioquímicos, sociais, entre outros). Isto, conseqüentemente levará o militar a ter maior conscientização da necessidade de manter um nível de aptidão física adequado às exigências da profissão com repercussão sobre a família naval e o custo social.
Passagem da Tocha Olímpica da EN para AMAN

Cabe ressaltar ainda que uma maior visão sobre a melhoria da aptidão física, saúde, desempenho profissional e da qualidade de vida deve estar orientada sob visão interdisciplinar, multidisciplinar, trans-interdisciplinar e apoiada por pesquisas científicas. Por conseguinte, o militar, ao comandar, terá pleno conhecimento e competência para responder a altura das necessidades, responsabilidades, comprometimentos, exigências e anseios de seus comandados.
De 2004 em diante a NAVAMAER volta a acontecer em sistema de rodízio em cada uma das Escolas Militares, sendo realizada a sua 45ª edição em 2011 nas dependências da EN. Neste mesmo ano, a Escola Naval teve a oportunidade de sediar as competições de Vela dos V Jogos Mundiais Militares – CISM 2011, o qual teve como lema: “Promover, por intermédio do esporte, a paz entre as nações”.
Preliminarmente, conclui-se pelos fatos elencados que a cultura física representada pelo Treinamento Físico Militar (TFM) e suas manifestações, o esporte e pelas competições como a NAVAMAER, deve ser referência expressa da formação militar. Nesse sentido, os militares das FA devem ter maior conscientização dos benefícios da atividade física sobre a saúde, o desempenho profissional e a qualidade de vida. Essas respostas devem ser fornecidas por estudos e pesquisas científicas, contribuindo à sua maior conscientização do militar sobre a Cultura de Paz, a melhoria das condições de vida e, a diminuição do custo social.
A partir de 1998, um novo fortalecimento do esporte acontece no meio militar com a adoção do slogan “Amizade pelo Desporto” em decisão soberana do Conseil International du Sport Militaire (CISM). Tal fato levou a que não houvesse mais a contagem de pontos em competições para determinar o vencedor, em nível mundial. Essa referência, também passa a ser conduta a ser seguida na NAVAMAER. Desse momento em diante a conduta esportiva deve estar apoiada sobre a celebração, confraternização e integração, em razão da maior relevância da preparação dos militares à defesa dos interesses da Nação sobre os resultados esportivos.
Encerramento/De Vito Fotos/Folha Militar Online
No limiar do século XXI, a NAVAMAER e o esporte, alicerçados sobre princípios positivos orientadores do esporte contemporâneo contribuem para o enfrentamento de desafios na vida, por se constituir numa escola de atributos como honra, perseverança, espírito de equipe, cooperação, superação, solidariedade, controle da violência, tolerância, respeito mútuo, ética, prazer, liderança e justiça.
Os atributos do esporte se convergem na consolidação da cultura de paz tão necessária à sociedade contemporânea, cada vez mais competitiva. A competição embora não peculiar desta cultura tem sido extremamente necessária. Ela demanda estratégias na busca de melhor convivência, frente às adversidades do mundo globalizado e de novos atores que assumem de forma integrada (1º, 2º e 3º setores) maior governança e protagonizam o desenvolvimento da sociedade local/global.

CONCLUSÃO
Portanto, a NAVAMAER ratifica a tese do uso do esporte, simulacro da guerra, de ferramenta estratégica de valor na preparação integral e permanente do militar, independentemente do emprego de tecnologias cada vez mais avançadas aplicadas à arte da guerra.
A NAVAMAER e o esporte por promoverem mudança de hábitos e de comportamentos servem de auxílio no diálogo e na construção de processos de cooperação antes dos conflitos se tornem guerras e destruições, contribuindo para a paz.
É dessa forma que, o emprego do esporte em suas manifestações, se fortalece em favor da preparação do militar para atuar em missões e intervenções humanitárias - garantia da lei e da ordem (GLO) - e de promover e manter a paz, iniciadas desde a década de 1950, sob a égide da Organização das Nações Unidas (ONU) e da Organização dos Estados Americanos (OEA).
O que deve se compreender é que a NAVAMAER, ao contemplar uma diversidade de modalidades esportivas se converte em estratégia de promoção sustentável, o que contribui na promoção de uma maior responsabilidade socioambiental a partir do esporte.
Evidencia-se ainda que o esporte, um dos fenômenos sócio-cultural mais importante da contemporaneidade, no meio militar, se fortalece como instrumento de relação entre diferentes áreas de conhecimento e setores da atividade humana, empreendendo conhecimentos, habilidades, atitudes, tradições, comportamentos, modos de vida e ética.
Por tudo isso é que a NAVAMAER e o esporte contribuem de forma significativa à formação integrada e continuada do militar, principalmente, por seus atributos referenciarem o desenvolvimento da cultura de paz, saúde, desempenho profissional e da qualidade de vida, favorecendo-o no atendimento dos iminentes enfrentamentos e futuros desafios do século XXI.


BIBLIOGRAFIA
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VILLAR, F. Breviário da Educação Moral, Cívica, Social e Militar. Rio de Janeiro: Ministério da Marinha, 1959.

O texto original foi publicado na Revista Marítima Brasileira (RMB).  Rio de Janeiro: DPHDM. jul./set. 2013, p.137 - 149.
** as fotos mais antigas da competição foram reposicionadas e algumas novas introduzidas no texto.

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