A NAVAMAER E O ESPORTE NO MEIO MILITAR PROMOVENDO A FORMAÇÃO, CONSCIENTIZAÇÃO, INTEGRAÇÃO E A CULTURA DE PAZ
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Abertura da Navamaer década de 1940 no F.F.C |
Prof. Dr. Fernando Antonio Cardoso
Garrido
SO (FN-MU) Marcelo Pereira Marujo
RESUMO: A presente investigação
busca a clarificação sobre a competição esportiva das Escolas Militares de
Ensino Superior – NAVAMAER – que visa empreender uma formação integral para os
futuros oficiais da Forças Armadas por intermédio das atividades esportivas. O
objetivo deste artigo compreende evidenciar o quanto as competições
proporcionam uma capacitação profissional generalista e voltada à promoção de
uma cultura de paz. O desenho metodológico inter-relacionou os métodos
histórico e a pesquisa participativa, pois se entende que a historicização
integrada à vivência nas atividades por vários momentos propiciam uma maior
condição de materialização dos conceitos emergidos durante sua trajetória. Os
resultados sinalizam que as atividades físicas variadas, assim como as modalidades
esportivas que compõem esta competição contribuem para a formação sustentável
profissional dos competidores e, ainda, para a melhoria da performance
biopsicossocial. Conclui-se que a NAVAMAER converte-se numa competição factível
de prover uma formação generalizada do ser humano necessária à evolução de uma
cultura promotora da paz.
PALAVRAS-CHAVE: NAVAMAER.
FORMAÇÃO. ESPORTES. ATIVIDADES FÍSICAS. CULTURA DE PAZ.
INTRODUÇÃO
O esporte, um dos maiores fenômenos
sócio-cultural, do final do século XX e início do século XXI, se íntegra nas
suas dimensões socioambientais às diversas instituições de natureza pública e
privada, entre elas às organizações militares. Transcendendo-as como integrante
de uma educação permanente, também busca levar o ser humano a melhor
compreensão das necessidades do mundo contemporâneo, à evolução da performance
biopsicossocial e da cultura de paz (TUBINO, 2006)
O objetivo deste artigo compreende evidenciar o
quanto as competições proporcionam uma capacitação profissional generalista
capaz de promover uma cultura de paz.
METODOLOGIA
A fim de
empreender as necessidades específicas do objeto de estudo, o desenho
metodológico inter-relaciona, estrategicamente, o método histórico e a pesquisa
participativa (VERGARA, 2009) clarificando variados e efetivos momentos e,
ainda, propiciando a aplicação de teorias, conceitos e a ampliação das
investigações.
O ADVENTO DA
NAVAMAER
A Taça Lage, mais tarde conhecida
por NAVAMAER, teve a sua primeira edição em 1938, entre a Escola Naval (EN) e a
Escola Militar de Realengo (atual Academia Militar das Agulhas Negras - AMAN),
numa época de forte presença do Estado, na economia, na política, na vida
social e de valorização da Pátria.
As disputas que ocorriam no
atletismo, basquetebol, polo aquático, futebol e na natação teve de 1941 em
diante, a presença da Escola de Aeronáutica (REVISTA GALERA, 1941). Com o
passar dos anos, a Taça Lage passou a ser conhecida como: Torneio das Três
Escolas, Jogos Inter-Escolas Militares e, principalmente Competição Desportiva
entre as Escolas Militares, a partir de 1953. A Instituição Militar vencedora recebe o
troféu “Estado-Maior das Forças Armadas”.
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A platéia na assistência ao evento |
É sob o foco do aperfeiçoamento
técnico, físico e moral da juventude militar e da aproximação entre Aspirantes
e Cadetes que Henrique Lage, idealiza a Taça que leva o seu nome, um dos grandes
empresários pioneiros da construção naval. Em carta endereçada ao Exmo Senhor
General-Comandante da Escola Militar, em 22 de junho de 1938, Lage transcreve o
motivo pelo qual acreditava ser importante a criação de um evento esportivo
entre as Escolas Militares:
Levado
pela especial simpatia que sempre me mereceu o garboso Corpo de Cadetes e com a
intenção de estimular o espírito de tenacidade dos jovens e o amor à luta para
a vitória, tomei a liberdade de oferecer uma “Taça” para constituir prêmio aos
vencedores dos jogos anuais de foot-ball, realizados por Cadetes ou entre
Cadetes e alunos da Escola Naval nas condições estabelecidas por V. Ex.
Esperando que V. Ex. se digne de aprovar esse meu ato, rogo a V. Ex. a
gentileza de dar ciência ao D. Corpo de Cadetes a que tenho a honra de me
considerar integrado. Reitero a V. Ex. a segurança da minha alta consideração e
particular estima de subscrever-me, de V. Ex. Amigo grato – (a) Henrique Lage. (GALERA,
1941, p.11-25)
Percebe-se que Henrique Lage entendia
ser o esporte uma ferramenta de valor na formação da juventude ao favorecer a
coesão, convivência social, correção de valores e a valorização da Pátria
(visão nacionalista) aos futuros oficiais das FA.
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A marcante presença feminina nas competições |
A Taça Lage
transcorria no cotidiano da cidade do Rio de Janeiro com grande rivalidade
entre Escolas, nos grandes clubes civis, dentre eles: o Tijuca Tênis Clube, o
Clube de Regatas Vasco da Gama e o Fluminense Futebol Clube, na presença de grande
público, elegante torcida e marcante presença feminina (na torcida) elogiada
pelos militares.
A competição
entre Escolas Militares, também podia ainda ser vista sob a perspectiva da
grande presença e vibração da torcida. Naquela altura, o esporte como lazer já
oportunizava à liberação de tensão-excitação e prazer, auxiliando na regulação
da conduta (o autocontrole). Isto significa que o esporte vinha no auxílio da
adaptação de todos os envolvidos em uma sociedade moderna capitalista, urbana,
organizada socialmente, altamente regulada e fortemente controlada pelo Estado,
conforme aconteceu na época.
A necessidade de melhor preparar o
militar à guerra, em especial da Guerra Fria em diante, tornava a condição
física integral preponderante em uma época de exigência do treinamento físico,
de habilidades técnicas, da alimentação, do repouso regular e do exame médico,
fatores condicionantes controlados no treinamento físico-desportivo. Isto
gerava a busca de índices mais expressivos e de recordes pela Marinha do Brasil
(MB).
O fato é que o
desenvolvimento do esporte no meio militar contribuía para a presença marcante
de atletas oriundos das Forças Armadas integrando equipes civis, além de
promover uma maior visibilidade às Escolas Militares na sociedade, o que,
conseqüentemente, pode ter gerado um maior ingresso de jovens na carreira
militar.
Os melhores atletas das Escolas
Militares ganhavam destaque ao representar o Brasil internacionalmente em Jogos Olímpicos ,
Campeonatos e Jogos Sul-Americanos e Pan-Americanos, Campeonatos Mundiais e,
principalmente nos Festivais Sul-Americanos de Cadetes, iniciados em 1961.
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A grande presença de público nas competições |
A oferta ao militar de treinamento
desportivo de bases científicas acompanhada por equipes integradas por outros
profissionais garantia a convocação para representações brasileiras civis em
eventos internacionais desde as décadas de 20 e 30. Nessa perspectiva, são inúmeros
e legítimos militares-atletas da Marinha, em todas as épocas que se tornaram
exemplos, disputando competições por clubes civis, em agremiações militares no
meio civil, integrando delegações brasileiras em eventos internacionais, influenciando gerações e gerações de militares e civis, transformando
simples espectadores em praticantes.
Sob outro prisma, o cenário
esportivo internacional crescia influenciado, pelas políticas estratégicas norte-americanas
do Pós I Guerra Mundial e, principalmente, da II Guerra Mundial até fins do
século XX em um mundo bipolar. O modelo capitalista, contrapondo-se ao
comunista, progressivamente, passava a ser determinante na economia industrial,
na produção, na cultura de massa e como credor do mundo. Isto trouxe conseqüências
à educação física e ao esporte ao promover mudanças no treinamento físico do militar
pelo emprego da ginástica calistênica nas FA brasileiras e na sociedade civil. Os
conflitos bélicos demonstraram que existia a necessidade de se atender às
árduas atribuições relacionadas aos novos equipamentos e métodos de guerra, pois
somente os indivíduos fortes, física e moralmente teriam condições de suportar
as adversidades das operações de guerra.
O desgaste físico e mental dos
militares nas frentes de batalhas, diante das informações e observações oriundas
da II Guerra Mundial fez surgir novos esportes de característica militar. Esses
passaram a servir de treinamento funcional na preparação das tropas, precipuamente,
em razão das peculiaridades das tarefas militares relacionadas às atividades do
esporte no meio civil, dentre eles os pentatlos: militar (1946), aeronáutico
(1948) e naval (1949); assim, consolidando a presença do militar na Educação
Física, logo a diferenciando daquela realizada no meio civil.
A melhoria das condições físicas tornavam-se indispensáveis e obrigatórias à preparação profissional quer utilizado na formação, no desempenho e quer no lazer, como atividade inerente da carreira militar. Nessas condições surgia o primeiro manual de treinamento físico de orientação norte americana traduzido e implantado pelo 1º Tenente Médico Heriberto Paiva, em 1946, e também a primeira Olimpíada Militar, em 1945, na MB.
A melhoria das condições físicas tornavam-se indispensáveis e obrigatórias à preparação profissional quer utilizado na formação, no desempenho e quer no lazer, como atividade inerente da carreira militar. Nessas condições surgia o primeiro manual de treinamento físico de orientação norte americana traduzido e implantado pelo 1º Tenente Médico Heriberto Paiva, em 1946, e também a primeira Olimpíada Militar, em 1945, na MB.
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Foto: Abertura Navamaer/Escola Naval/2011 |
A conseqüência natural foi a ampliação
da organização do esporte no meio militar com as criações da entidade esportiva
em nível mundial, o Conseil International du Sport Militaire (CISM), e, em
nível nacional, do então, Conselho Desportivo das Forças Armadas (CDFA), em
1951. Este fato produziu o aumento da cadeia de interdependência, o que trouxe maior
seriedade ao esporte no meio militar desde o início da Guerra Fria. Em 1956, o
CDFA passou a ser denominada de Comissão Desportiva das Forças Armadas (CDFA).
De 1976 em diante, a CDFA passou a ser conhecida por Comissão Desportiva
Militar do Brasil (CDMB). A CDMB, instituição coordenadora da NAVAMAER, tem Comissões
Desportivas subordinadas em cada uma das FA: CDA, CDE e CDM.
Por conseguinte, o esporte no meio
militar adquire maior relevância e visibilidade no meio civil, o que
proporcionou o aumento das competições de caráter nacional e internacional e,
ainda, a formação de representações militares nacionais disputando eventos
mundiais programados pelo CISM. A melhoria
constante da performance física
proporcionou resultados satisfatórios e novos recordes que se tornaram
recorrentes, o que garantiu ao esporte do meio militar maior visibilidade na
sociedade civil.
Num
verdadeiro culto olímpico, atletas expõem suas forças, habilidades e técnicas,
defendendo com garra e dedicação o estandarte de sua Escola, tendo como fundo
um clima de profundo respeito e cordialidade. Constata-se que, o preparo físico
e a competitividade devem estar a serviço da defesa das cores da nossa Escola
(GALERA, 1988, p. 62)
O desenvolvimento do esporte no
meio militar, em especial entre as Escolas de Nível Superior Militares suscita o
surgimento de nova sigla que vem caracterizar efetivamente o evento e,
sobretudo, proporcionar uma maior prospecção à mesma. Desse modo, o então
Presidente da Comissão de Desportos das Forças Armadas, o General de Brigada Floriano
Machado, através de comunicado de 26 de dezembro de 1962, oficializava aos
Comandantes das Escolas que a partir daquela data estava adotada a sigla
NAVAMAER, formada com as abreviações de: NAV: Escola Naval (EN); AM: Academia
Militar das Agulhas Negras (AMAN) e AER: Escola de Aeronáutica (atual Academia
da Força Aérea - AFA). Na primeira competição da NAVAMAER em 1962, aconteceram
disputas nas seguintes modalidades: pentatlo militar, tiro, xadrez, futebol,
natação, esgrima, voleibol, basquetebol, atletismo e polo aquático.
Navamaer pista atletismo AFA
A visão da Educação Física, nesse
momento, era retratada pelo Breviário de educação, moral, cívica, social e
militar de 1959 e pode ser compreendida pelo seguinte pensamento.
Na época
hodierna não se pode pensar em valorização e em seleção sem se considerarem as
qualidades físicas e espirituais. É a cultura física que desenvolve essas
qualidades, cria, em verdade, o ambiente espiritual e moral para a educação
integral da juventude, para o completo desenvolvimento do homem, do cidadão, da
personalidade humana. Não prepara o homem, apenas para atividades
técnico-profissionais, mas, para á vida na sua mais completa e infinita
complexidade. Cultivemos, pois, a educação física, tão salutar principalmente
na conservação e preparo de uma prole sadia e no aperfeiçoamento da raça. (VILLAR,
1959, P. 135)
A NAVAMAER, no cenário
esportivo nacional, interrompida entre 1968 e 1973, somente reapareceu em 1974,
com disputas de esportes de característica individual, como atletismo, natação,
pentatlo militar e tiro, sem contar também com a presença de platéia. Os
esportes coletivos com bola somente voltaram a ser disputados em 1977, realizados
dentro das Escolas Militares. Além disso, a NAVAMAER, desde a sua criação até
2011,
sofreu interrupção nos anos de 1963, 1981 e de 1984.
O que se constata durante décadas, em especial
de 1930 até 80, é que a NAVAMAER e o esporte nas FA se caracterizam pela constante
busca da melhoria da performance e da
preparação à guerra. Isto
possibilitou o aparecimento de grandes atletas nas Forças armadas (FA), o
ingresso de atletas do meio civil nas escolas de formação de oficiais, a
presença de militares-atletas em competições de clubes e delegações esportivas
civis em eventos regionais, nacionais e internacionais e o aumento da freqüência
na quebra de recordes nos esportes individuais.
No período entre 1985 e 1987, a NAVAMAER, até então
realizada no eixo Rio/São Paulo, adquire visibilidade nacional, com sua nova
sede em Brasília, DF. As competições acontecem no Colégio Militar, Ginásio
Cláudio Coutinho e Estádio Mané Garrincha. Nesse momento, o espírito esportivo
da NAVAMAER vinha se prospectando de forma a evidenciar a importância e o
desenvolvimento do esporte (GALERA, 1988).
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Voz da Cidade/Navamaer/Aman/2018 |
A redemocratização do país levou
o esporte no texto constitucional sob
o renovado conceito de direito de todos, respaldo em estudiosos e documentos
internacionais e a imediata diminuição das competições esportivas das FA e
entre Escolas Militares no meio civil (GARRIDO, 2004).
A
NAVAMAER E AS CIÊNCIAS
A adoção de treinamento
desportivo de bases científicas para os militares, que aconteceram desde a
década de 30 com atletas da natação, consolidava o pioneirismo da MB na área. Na
década seguinte, a difusão de testes físicos de caráter científico aplicados de
forma periódica permitiu a catalogação, acompanhamento e confrontação dos
efeitos do treinamento dos atletas da MB e de Aspirantes da Escola Naval.
A chegada de novos métodos de
treinamentos desportivos no Brasil, fundamentados sobre bases científicas no
final dos anos de 1960 em diante - Teste de Cooper, circuit-training e interval-training
- contemplou uma realidade mundial por implantar-se no meio militar e ser
aplicada na MB. Garantia-se um melhor condicionamento físico aos militares e atletas
de equipes militares nos eventos esportivos civis, como campeonatos locais,
jogos universitários e na NAVAMAER.
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Aspirante Laís Menezes/ 5 medalhas/ atletismo/EN/2017
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A criação de centros de
treinamento físico-esportivo militares, como o CEFAN, em 1972 determinava o
desenvolvimento do esporte na sociedade brasileira e na MB. Uma série de
iniciativas da MB e do Ministério da Educação e Cultura (MEC) contribuía para o
desenvolvimento do esporte, dentre eles: a vinda de estudiosos e palestrantes
estrangeiros e nacionais para realizar cursos e congressos de promoção e da
difusão dos saberes da área. Concorria ainda, na valorização do esporte a utilização
do CEFAN, referência no cenário esportivo nacional, para hospedagens e
treinamentos de delegações nacionais e internacionais e a implantação de
convênios de iniciação esportiva ofertado aos alunos das escolas públicas. Daí
advinha, o aumento das publicações nacionais, a tradução de livros estrangeiros
e a criação de cursos de nível superior na área.
A
NAVAMAER E OS ESPORTES MILITARES
As dificuldades econômicas
enfrentadas pelo país na época, por sua vez levaram à execução de um rodízio de
esportes disputados nas instalações das três Escolas Militares, de forma que as
competições esportivas pudessem ser realizadas anualmente.
A diminuição das competições
esportivas militares no meio civil dos anos de 1990 em diante, favoreceu o
desenvolvimento dos esportes de características militares e funcionais nas FA,
entre eles: pentatlos, tiro, orientação e esgrima. Isto trouxe como
conseqüência a diminuição da visibilidade das Escolas Superiores Militares na
sociedade brasileira e pode ter contribuído para a perda do interesse de jovens
pela carreira militar, diferentemente, das épocas passadas de ingresso nas FA
incentivadas pelo esporte.
A exigência do trabalho
profissional-militar foi progressivamente tornando-se um contraponto às
atividades físicas em geral entendidas como lazer, somado ao quadro de
restrições orçamentárias, nas duas últimas décadas do século XX. Este cenário
provocou a diminuição da participação, convocação e do treinamento de atletas
da MB integrando delegações esportivas, principalmente visando atender
competições nacionais e internacionais. Essa afirmação reforça a assertiva do
trabalho ser considerado mais importante quando relacionado às atividades
físicas no momento de TFM/Esporte e, ditas, principalmente, por aqueles que não
gostam de praticá-las (GARRIDO, 2004).
Uma das explicações sobre a
compreensão do esporte praticado nos momentos de lazer e de sua relação com o
trabalho e tantas outras atividades compreendidas como tal vem de Elias (1992,
p. 141) quando afirma que o esporte é “um
fenômeno social por direito próprio, interdependente de atividades de não
lazer, (como no caso do trabalho), mas, do ponto de vista funcional, de valor
não inferior e não subordinadas a elas”. Na mesma dimensão, De Masi (2000)
esclarece:
a
plenitude da atividade humana somente é alcançada quando nela coincidem, se
acumulam, se exaltam e se mesclam o trabalho, o estudo e o jogo; isto é quando
trabalhamos, aprendemos e nos divertimos, tudo ao mesmo tempo. É o que ele
chama de ócio criativo. (p. 148)
A essa altura discorrer sobre a
relação entre o esporte e a guerra, torna-se essencial para mostrar a
importância do TFM e em especial da NAVAMAER no meio militar. Assim, recorremos
a Norbert Elias (1992:16) que afirma ser o esporte e a guerra formas de
conflito que se encontram entrelaçadas de maneira subtil, com formas de
interdependência, de cooperação e com a formação do nosso grupo e do grupo
deles. Tanto o esporte quanto a guerra apresentam características teóricas comuns
ao serem compreendidos como um confronto entre dois oponentes ou dois grupos
com o objetivo de um sobrepujar o outro. Um ou outro desencadeiam quer emoções
de prazer, de sofrimento e misturam comportamentos racionais e irracionais. Ainda,
reafirma a existência de ideologias diametralmente opostas, podendo o esporte se
constituir em um substituto da guerra e por isso um veículo ideal de treino
militar, devido à dureza e à agressividade demonstradas pelos que dele
participam, daí o caráter homólogo e da inter-relação das duas esferas. Porém,
o objetivo da guerra é vencer o oponente, que é considerado inimigo, dominá-lo,
prendê-lo e até mesmo feri-lo ou matá-lo, caso seja necessário. Entretanto no
esporte, o oponente é considerado o adversário a ser combatido e vencido,
devendo ser dominado sem que o mesmo, tenha que ser ferido ou morto no
confronto.
Em síntese, a relação entre o esporte
e a guerra nos reforça a importância do militar manter a higidez física frente às
exigências da carreira militar e do bom desempenho das suas atribuições
constitucionais. Nesse sentido, ganha relevância o emprego do Treinamento
Físico Militar (TFM), a exigência de aferição de Teste de Avaliação Física
(TAF), a realização de campeonatos regionais, a participação em competições
militares, como a NAVAMAER e o atendimento às convocações para representações
brasileiras em geral. Por
isso devem ser consideradas tarefas de adestramento profissional da rotina do
militar quer em tempo de paz ou de guerra asseguradas pelo emprego do esporte e
suas manifestações durante a carreira naval.
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Navamaer 2016/EN x AFA |
Por essa época, o teste de avaliação
física passa a ser pré-requisito à ascensão na carreira militar e deveria ser acompanhado
de pesquisa científica. Objetivava-se traçar o perfil físico dos militares. E neste
sentido, a NAVAMAER, assim como o TFM servem de objetos de estudos e de pesquisas
científicas apoiados sobre parâmetros físicos, orgânicos, bioquímicos, mentais
e sociais que relacionados demonstrem a melhoria dos níveis de aptidão física para
a saúde, a qualidade de vida, o desempenho profissional e o bem-estar geral, de
acordo com atributos de cada corpo e quadros militares
Entre o final do século XX e
início o século XXI aparecem grandes transformações mundiais promovidas pelos avanços
da ciência, da tecnologia, da economia globalizada e das mídias gerando em alta
velocidade mudanças em variados setores. Este quadro concorre para o desmonte
do Estado do Bem-Estar Social e da liberalização total dos mercados determinado
por um capitalismo avançado, a valorização das empresas multinacionais e a
elevação do consumo. Essas mudanças que ocorrem, principalmente, nas áreas de
comércio, transporte, meio ambiente e de comunicação levam à saturação das
informações, de diversões e de serviços programados no dia a dia das pessoas,
tornando-as mais sedentárias, obesas e favorecendo a degradação sócio-ambiental
e o aumento do custo social de empresas privadas, organizações públicas e
governos.
A
NAVAMAER E AS TENDÊNCIAS
O surgimento de novas tendências,
necessidades, consumos, estilos de vida, gostos e prazeres orientam os rumos da
nova economia focada na grande quantidade de produtos, serviços com preços
reduzidos numa sociedade caracterizada pelas tecnologias da informação.
A vida social agora em sintonia
com as viagens, imagens, mídias, comportamentos e atitudes diversas subordina-se
ao consumo, o que provoca uma crise nas relações humanas, sociais, ideológicas,
políticas e de valores e afeta a convivência social, fortalecendo o individualismo
(subjetividade).
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49ª Navamaer 2015/Aman/judô |
A Educação Física e o Esporte, em
nível internacional, como componentes da educação permanente, holística e de
convivência humana traduzidos por conhecimentos, habilidades, tradições,
atitudes, valores e comportamentos, passam a serem reorientados para os males detectados
na sociedade moderna. O apelo de estudiosos, de pesquisas científicas e de organizações
internacionais como a Organização das Nações Unidas (ONU) e a divulgação das
mídias em geral alertam sobre novos eventos em escala mundial, dentre eles: conflitos
sociais, terrorismo, degradação ambiental e doenças hipocinéticas, causadas
pelo avanço da tecnologia, como a obesidade, diabetes entre outras.
A discussão de questões
centrais torna-se alvo de foros mundiais, entre elas a preservação ambiental.
Isto gerou maior visibilidade aos esportes da natureza e aqueles derivados de
outros esportes, ambos de caráter individual, uma tendência na sociedade pós-industrial
e nas FA. Os serviços e funções intelectuais ganham relevância, o que requer a
elevação do nível de educação. As
pessoas passam a ser a chave da criação de valor e da resolução de problemas
complexos em um mundo com exigência de colaboração, confiança e liderança.
Nessa perspectiva, a NAVAMAER,
assim como o TFM, estabelece maior entendimento sobre a importância da importância
da conservação, de preservação e de proteção do meio ambiente ao listar no rol
dos esportes disputados pelos militares como desempenho/alto rendimento e,
mesmo na formação e no lazer, aqueles ligados à natureza. Nesta direção,
aparecem no cenário militar as modalidades de triathlon, ultramaratona, canoagem, e orientação a partir de 2000.
Ademais, o emprego do esporte
no meio militar demonstra vigor como ferramenta de responsabilidade socioambiental
nas FA com a prática do esporte da natureza. Isto desenvolve posicionamentos e
respeito pelo meio ambiente e, conseqüentemente sobre a importância dos nossos
recursos naturais, objeto de reflexão em nível nacional (flora, fauna e
riquezas naturais) das FA e, portanto, de toda a sociedade brasileira, em
especial das fronteiras secas, da Amazônia
Azul e da Amazônia Verde.
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Campo da AFA/53ªNavamaer/2019 |
Na busca de uma maior relação
com o meio ambiente pela MB e, em especial da Escola Naval na construção de uma
consciência ecológica dos futuros oficiais surgem eventos esportivos ligados à
natureza e abertos à sociedade civil, como o RAID NAVAL em 1992 e a Regata
Ecológica em 1999.
Uma maior
abrangência sócio-profissional pelo esporte, também acontece nas FA determinada
com o ingresso do sexo feminino nas FA. A maior participação da mulher no
mercado de trabalho, um dos fatos mais significativos ocorridos no mundo,
também se deu no meio militar, no esporte e, na NAVAMAER, de 1997 em diante
(31ª edição). Atualmente, elas já disputam as modalidades de esgrima,
atletismo, pentatlo militar, orientação e tiro.
Outro fator de destaque é a
atuação sócio-profissional das FA de norte a sul, principalmente por ser um dos
principais agentes de fomento do esporte, ao assegurar a realização de eventos
- a NAVAMAER, o TFM em suas manifestações, a incorporação de atletas de alto
rendimento e de promoção da cidadania.
Este último – promoção da
cidadania – se concretiza a partir da inserção de jovens no serviço militar
(obrigatório/voluntário) e da implantação de convênios e/ou de parcerias entre
as FA e instituições públicas e empresas privadas em projetos sociais. A inclusão
social pelo esporte em suas manifestações vai ao encontro do entendimento de “direito
de cada um”, conforme estabelecido na Constituição Federal (BRASIL, 1998) no Art.
217. Em síntese, se fortalece a responsabilidade socioambiental das FA,
inclusive com a descoberta de talentos no esporte, em prol da realização do
destino coletivo
Os fatos elencados demonstram que
a cultura física representada pelo TFM, pelo esporte e por competições como a
NAVAMAER, desde a formação do militar, em especial dos futuros oficiais das FA,
possibilita-os a compreensão sobre os benefícios ao corpo humano (parâmetros
anatômicos, fisiológicos, bioquímicos, sociais, entre outros). Isto,
conseqüentemente levará o militar a ter maior conscientização da necessidade de
manter um nível de aptidão física adequado às exigências da profissão com
repercussão sobre a família naval e o custo social.
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Passagem da Tocha Olímpica da EN para AMAN |
Cabe ressaltar ainda que uma maior visão sobre a melhoria da aptidão física, saúde, desempenho profissional e da qualidade de vida deve estar orientada sob visão interdisciplinar, multidisciplinar, trans-interdisciplinar e apoiada por pesquisas científicas. Por conseguinte, o militar, ao comandar, terá pleno conhecimento e competência para responder a altura das necessidades, responsabilidades, comprometimentos, exigências e anseios de seus comandados.
De 2004
em diante a NAVAMAER volta a acontecer em sistema de rodízio em cada uma das Escolas
Militares, sendo realizada a sua 45ª edição em 2011 nas dependências da EN.
Neste mesmo ano, a Escola Naval teve a oportunidade de sediar as competições de
Vela dos V Jogos Mundiais Militares – CISM 2011, o qual teve como lema: “Promover,
por intermédio do esporte, a paz entre as nações”.
Preliminarmente, conclui-se
pelos fatos elencados que a cultura física representada pelo Treinamento Físico
Militar (TFM) e suas manifestações, o esporte e pelas competições como a
NAVAMAER, deve ser referência expressa da formação militar. Nesse sentido, os
militares das FA devem ter maior conscientização dos benefícios da atividade
física sobre a saúde, o desempenho profissional e a qualidade de vida. Essas
respostas devem ser fornecidas por estudos e pesquisas científicas,
contribuindo à sua maior conscientização do militar sobre a Cultura de Paz, a
melhoria das condições de vida e, a diminuição do custo social.
A partir de
1998, um novo fortalecimento do esporte acontece no meio militar com a adoção
do slogan “Amizade pelo Desporto” em decisão soberana do Conseil International du Sport Militaire (CISM). Tal fato levou a
que não houvesse mais a contagem de pontos em competições para determinar o
vencedor, em nível mundial. Essa referência, também passa a ser conduta a ser
seguida na NAVAMAER. Desse momento em diante a conduta esportiva deve estar
apoiada sobre a celebração, confraternização e integração, em razão da maior
relevância da preparação dos militares à defesa dos interesses da Nação sobre
os resultados esportivos.
No limiar do
século XXI, a NAVAMAER e o esporte, alicerçados sobre princípios positivos
orientadores do esporte contemporâneo contribuem para o enfrentamento de
desafios na vida, por se constituir numa escola de atributos como honra,
perseverança, espírito de equipe, cooperação, superação, solidariedade,
controle da violência, tolerância, respeito mútuo, ética, prazer, liderança e
justiça.
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Encerramento/De Vito Fotos/Folha Militar Online |
Os atributos
do esporte se convergem na consolidação da cultura de paz tão necessária à sociedade
contemporânea, cada vez mais competitiva. A competição embora não peculiar
desta cultura tem sido extremamente necessária. Ela demanda estratégias na
busca de melhor convivência, frente às adversidades do mundo globalizado e de
novos atores que assumem de forma integrada (1º, 2º e 3º setores) maior
governança e protagonizam o desenvolvimento da sociedade local/global.
CONCLUSÃO
Portanto, a
NAVAMAER ratifica a tese do uso do esporte, simulacro da guerra, de ferramenta
estratégica de valor na preparação integral e permanente do militar,
independentemente do emprego de tecnologias cada vez mais avançadas aplicadas à
arte da guerra.
A NAVAMAER e
o esporte por promoverem mudança de hábitos e de comportamentos servem de
auxílio no diálogo e na construção de processos de cooperação antes dos
conflitos se tornem guerras e destruições, contribuindo para a paz.
É dessa forma
que, o emprego do esporte em suas manifestações, se fortalece em favor da
preparação do militar para atuar em missões e intervenções humanitárias -
garantia da lei e da ordem (GLO) - e de promover e manter a paz, iniciadas
desde a década de 1950, sob a égide da Organização das Nações Unidas (ONU) e da
Organização dos Estados Americanos (OEA).
O que deve se
compreender é que a NAVAMAER, ao contemplar uma diversidade de modalidades
esportivas se converte em estratégia de promoção sustentável, o que contribui
na promoção de uma maior responsabilidade socioambiental a partir do esporte.
Evidencia-se
ainda que o esporte, um dos fenômenos sócio-cultural mais importante da
contemporaneidade, no meio militar, se fortalece como instrumento de relação
entre diferentes áreas de conhecimento e setores da atividade humana,
empreendendo conhecimentos, habilidades, atitudes, tradições, comportamentos, modos
de vida e ética.
Por
tudo isso é que a NAVAMAER e o esporte contribuem de forma significativa à
formação integrada e continuada do militar, principalmente, por seus atributos
referenciarem o desenvolvimento da cultura de paz, saúde, desempenho profissional
e da qualidade de vida, favorecendo-o no atendimento dos iminentes
enfrentamentos e futuros desafios do século XXI.
BIBLIOGRAFIA
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Brasil. Brasília, DF, Senado, 1998.
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1959.
* O texto original foi publicado na Revista Marítima Brasileira (RMB). Rio
de Janeiro: DPHDM. jul./set. 2013, p.137 - 149.
** as fotos mais antigas da competição foram reposicionadas e algumas novas introduzidas no texto.
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