TREINAMENTO FÍSICO MILITAR EMBARCADO NA FORMAÇÃO DO OFICIAL DA MARINHA DO BRASIL!/MILITARY PHYSICAL TRAINING EMBODIED IN BRAZILIAN NAVY OFFICER TRAINING!

CF(FN) ANDERSON AZEVEDO URBANCG
PROF. MS PAULO ALBERTO PORTO DA SILVA



INTRODUÇÃO

Na Escola Naval a formação dos futuros oficiais Fuzileiros Navais dura quatro anos, e nesse período os Aspirantes cumprem exigências curriculares onde a disciplina Treinamento Físico Militar (TFM) é aplicada com a periodicidade de cinco vezes por semana, totalizando 120 horas para cada ano de formação.
Esta aplicação sistemática do TFM tem continuidade na primeira parte do ciclo pós-escolar, onde os Guardas Marinha Fuzileiros Navais (GM-FN) cumprem 62 horas de TFM, também como exigência curricular, durante os 70 dias do Estágio Especial de Guerra Anfíbia (EEGAnf), sendo este realizado no Centro de Instrução Almirante Sylvio de Camargo (CIASC).
Contudo a segunda parte do ciclo pós-escolar, caracterizada pelo embarque de quase seis meses no Navio Escola Brasil (NE Brasil) para realização da Viagem de Instrução de Guardas Marinha (VIGM), o TFM deixa de ser obrigatório e passa a ser considerado atividade extraclasse, sendo realizado de forma não sistemática, individual e opcional.
Figura 1: Partida dos Guardas Marinhas para a XXIV Viagem de Instrução.
Fonte: NE Brasil, 2010.
Cabe destacar que a constante preocupação para o aprimoramento do condicionamento físico1 dos militares da Marinha do Brasil (MB) é objeto de interesse do Comandante da Marinha (CM) ao apresentar anualmente, por meio de suas Orientações (ORCOM), a necessidade de fomentar a mentalidade de Educação Física e o incentivo à prática do TFM em toda a MB, como forma de aprimoramento da higidez física dos seus militares.

OBJETIVO E METODOLOGIA

Considerando as normas de TFM homologadas pelo manual CGCFN-15, foi iniciado um estudo a partir da aplicação sistemática de um programa de TFM a bordo do NE Brasil, com objetivo de verificar os efeitos da prática orientada de TFM na aptidão cardiorrespiratória e no percentual de gordura (%G) dos GM-FN, durante a segunda fase do ciclo pós escolar, na XXIV VIGM, em 2010.
Os GM-FN foram separados em dois grupos2, sendo o grupo A, referenciado como grupo controle, com prática de TFM opcional não periodizado e sem orientação. Em contrapartida, o grupo B cumpriu o protocolo de treinamento orientado, seguindo as recomendações do CGCFN-15, conforme o Quadro 1:


Quadro 1 
Componentes essenciais para prescrição dos exercícios
1. Protocolo do treinamento dos GM-FN do grupo B
1.1. Modalidade
1.2. Intensidade
1.3. Duração
1.4. Frequência
1.5. Progressão da atividade física
2. Protocolo do treinamento dos GM-FN do grupo B
2.1. Circuito de exercícios variados envolvendo grandes grupamentos musculares
2.2. 70% a 80% da Frequência Cardíaca Máxima prevista para a idade (FCmáx.)
2.3. 45 minutos
2.4. 3 vezes por semana, no período de JUL a NOV.
2.5. Gasto calórico inicial médio de 300 kcal por sessão, com progressão de 100 kcal a cada 2 meses.
Quadro 1: Prescrições de exercícios e protocolo de treinamento do Grupo B em estreita relação - prescrição (1) e treinamento (2) na pesquisa.
                                          Fonte: o autor, 2010.
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1 O condicionamento físico do militar é essencial para a manutenção da saúde, a eficiência do desempenho profissional e da funcionalidade em combate (O’CONNOR; BAHRKE; TETU, 1990).

2. Grupo A e B com 11 e 10 militares, respectivamente.
Foram delineados dois períodos para coleta dos dados, no início e ao final da comissão, todos a bordo do NE Brasil, na última semana de junho e na última semana de novembro, respectivamente.

                               Figura 2: Ginástica Preparatória no convés de vôo do NE Brasil.
                                                                 Fonte: o autor, 2010.

A aferição da aptidão cardiorrespiratória foi realizada através de teste de campo3 adaptado no próprio convés de vôo do NE Brasil. O percentual de gordura (%G) dos GM-FN foram aferidos na mesma ocasião, por meio de obtenção de sinais de bioimpedância4, respeitando o jejum mínimo de seis horas antes da coleta.
Os dados obtidos na VIGM/2010, de ambos os grupos dos GM-FN (A e B), foram encaminhados para a seção de pesquisa do Centro de Educação Física Almirante Adalberto Nunes (CEFAN) para a análise estatística e interpretação de cálculos de tendência central e dispersão, bem como para comparação e interpretação inter e intra grupos (A e B).

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3 Por meio do Yo-yo Endurence (BANGSBO, 1996) foi avaliado o nível da capacidade aeróbia. O objetivo deste teste é estimar o consumo máximo de oxigênio (VO2máx). O teste consiste em realizar percursos de 20 metros, em regime de vaivém, a uma velocidade imposta por sinais sonoros. O teste inicia-se a uma velocidade de 8,5 km/h e a cada minuto existe o aumento da velocidade. Os avaliados colocam-se na linha de partida e iniciam o teste ao primeiro sinal sonoro. Deverão chegar ao local marcado, ultrapassando a linha, antes de soar o próximo sinal sonoro. O teste dá-se por finalizado com a desistência do avaliado, ou quando este não conseguir atingir a linha demarcada, duas vezes consecutiva.
4 O exame de bioimpedância é um método moderno e considerado pela comunidade científica como de alta precisão na avaliação da composição corporal. Ele possibilita medir os percentuais de gordura que estão debaixo da pele e entre os órgãos, massa magra e água corporal. Isso é possível através de dois pares de eletrodos adesivos que são colocados na mão e no pé direito do examinado, que permitem que uma corrente elétrica de baixíssima intensidade passe pelo corpo do avaliado. O exame é totalmente indolor.



Figura 3: Aferição da aptidão cardiorrespiratória e do percentual de gordura.
Fonte: o autor, 2010.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
A aptidão cardiorrespiratória do grupo A (controle) apresentou redução de 16,2% nos valores do consumo máximo de oxigênio (VO2máx)5, variando de 51,8 ± 4,5 mLO2.∙kg-1∙min-1 para 44,6 ± 3,9 mLO2.∙kg-1∙min-1. Em relação ao grupo B (TFM orientado), a aptidão cardiorrespiratória não sofreu variações significativas6 do início ao final da comissão.
Em relação ao percentual de gordura (%G), apenas o grupo B apresentou redução significativa7 nos quantitativos de gordura corpórea, variando de 16,2 ± 2,1 %G para 13,9 ± 1,8 %G. Já o grupo A apresentou uma média de 16,3 ± 2,3 %G no início da comissão e ao final da viagem foi constatada a média de 15,4 ± 1,5 %G, não sendo estatisticamente significativa a redução do início para o final da comissão.

     igura 4: Grupo B realizando circuito de exercícios variados.
         Fonte: NE Brasil, 2010.

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5 O consumo máximo de oxigênio (VO2máx) representa a condição máxima de transporte, consumo e utilização do oxigênio pelo organismo, associado principalmente a capacidade do ser humano de realizar exercícios de média e longa duração, condição esta caracterizada nas atividades aeróbias (WILMORE; COSTILL, 2001).
6 Valor-p de 0,58 na comparação pré e pós grupo B.
7 Valor-p de 0,01 na comparação pré e pós grupo A.

Destaca-se que o excesso de gordura na região abdominal, a chamada gordura visceral, esta associada a uma maior incidência da síndrome metabólica8, conjunto de doenças relacionadas à hipertensão arterial, resistência à insulina, colesterol elevado, redução do HDL (colesterol “bom”) e aumento do LDL (colesterol “ruim”), triglicérides elevado e intolerância à glicose.
Mesmo não sendo objeto do presente estudo, foi notória a contribuição social que a condução sistematizada e coletiva do TFM proporcionou aos militares embarcados, regulando o estado emocional de ansiedade adaptativa9 a diferentes rotinas de travessias e a estada nos portos nacionais e internacionais, além de favorecer como um todo o bem-estar da tripulação, conforme relata o CMG Rocha, Comandante do NE Brasil na VIGM/2010 e grande incentivador do presente estudo.

CONCLUSÃO
Diante dos resultados supracitados, observa-se que a aplicação sistemática e orientada do TFM, durante quase um semestre embarcado nos meios navais da MB, proporcionou a manutenção da capacidade aeróbia e a redução mais expressiva na quantidade de gordura corpórea. Representando melhores condições físicas e operativas dos militares embarcados, bem como o fomento a prevenção de doenças e promoção à saúde, por meio da prática do TFM embarcado.
Os dados desta pesquisa são elucidativos para manter os militares bem condicionados fisicamente em sua formação profissional e no cumprimento das atividades peculiares à vida militar, além de apresentar parâmetros para mitigar o absentismo e o alto custo com os tratamentos causados pelas doenças relacionadas à síndrome metabólica.
Novos estudos podem ser realizados com apoio especializado dos educadores físicos e da seção de pesquisa do CEFAN, inclusive no aprimoramento da higidez física dos militares embarcados nos navios destacados para missão da United Nations Interim Force in Lebanon (UNIFIL) e no translado de tropas de FN, para o Haiti, por via marítima.
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8 O tratamento para a síndrome metabólica é baseado em eliminação de peso, prática de atividade física, e em certos casos é necessário o uso de medicamentos (ACMS, 2000) .
9 A ansiedade é uma manifestação fisiológica inerente ao ser humano e até necessária para a sobrevivência social. Devemos diferenciar a ansiedade adaptativa (normal) da ansiedade patológica (doentia).

Referências Bibliográficas
AMERICAN COLLEGE OF SPORTS MEDICINE (ACSM). Manual do ACSM para teste de esforço e prescrição de exercício. 5 ed. Rio de Janeiro: Revinter, 2000.
BANGSBO, J. Yoyo Test. Copenhagen: Ho Storm, 1996.
BRASIL. Gabinete do Comandante da Marinha. Circular nº. 01 de 3 de janeiro de 2012 ORCOM 2013: Orientações do Comandante da Marinha para 2013.
________. Comando-Geral do Corpo de Fuzileiros Navais. CGCFN-15: Normas sobre Treinamento Físico Militar, Teste de Avaliação Física e Suficiência Física na Marinha do Brasil. Rio de Janeiro, 2009.
________. Diretoria de Ensino da Marinha. Currículo do Estágio de Especialização de Guerra Anfíbia. Rio de Janeiro. 2012.
________. Diretoria de Ensino da Marinha. Currículo de Formação de Oficiais da Escola Naval. Rio de Janeiro. 2011.
MUNIZ, G. R. Obesidade abdominal e sua correlação com um programa de condicionamento físico. Rio de Janeiro: UNIFA, CCEM, 2006.
O’CONNOR J. S., BAHRKE M. S., TETU R. G. Active Army physical fitness survey. Military Medicine 1990.
WILMORE, Jack. H., COSTILL, David. L. Fisiologia do Esporte e do Exercício. São Paulo, Ed. Manole, 2ª Ed., 2001. 709 p.





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texto publicado com a autorização dos autores

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